Há uma finalidade, há
uma Lei no Universo? Ou esse Universo é apenas um abismo no qual o pensamento
se perde por falta de ponto de apoio, em que gire sobre si mesmo, igual à folha
morta ao influxo do vento? Existe uma força, uma esperança, uma certeza que nos
possa elevar acima de nós mesmos a um fim superior, a um princípio, a um Ser em
que se identifiquem o bem, a verdade, a sabedoria? Ou terá havido em nós e em
redor de nós apenas dúvida, incerteza e trevas? O homem, o pensador, sonda com
o olhar a vasta extensão; interroga as profundezas do céu; procura a solução
desses grandes problemas: o problema do mundo, o problema da vida. Considera
esse majestoso Universo, no qual se sente como que mergulhado; acompanha com os
olhos a carreira dos gigantes do Espaço, sóis da noite, focos terríficos cuja
luz percorre as imensidades taciturnas; interroga esses astros, esses mundos
inumeráveis, mas estes passam mudos, prosseguindo em seu rumo, para um fim que
ninguém conhece. Silêncio esmagador paira sobre o abismo, envolve o homem,
torna esse Universo mais solene ainda. Duas coisas, no entanto, nos aparecem à
primeira vista no Universo: a matéria e o movimento, a substância e a força. Os
mundos são formados de matéria e essa matéria, inerte por si mesma, se move.
Quem, pois, a faz mover-se? Qual é essa força que a anima? Primeiro problema.
Mas o homem, do infinito, chama sobre si mesmo sua atenção. Essa matéria e essa
força universais ele encontra em si mesmo e, com elas, um terceiro elemento,
com o qual conheceu, viu e mediu os outros: a Inteligência. Entretanto, a
inteligência humana não é, por si só, sua própria causa. Se o homem fosse sua
própria causa, poderia manter e conservar o poder da vida que está em si; mas,
em verdade, esse poder, sujeito a variações, a desfalecimentos, excede à
vontade humana. Se a inteligência existe no homem, deve encontrar-se nesse
Universo de que faz parte integrante. O que existe na parte deve encontrar-se
no todo. A matéria não é mais que a vestimenta, a forma sensível e mutável,
revestida pela vida; um cadáver não pensa, nem se move. A força é um simples
agente destinado a entreter as forças vitais. É, pois, a inteligência que
governa os mundos. Essa inteligência se manifesta por leis sábias e profundas,
ordenadoras e conservadoras do Universo. Todas as pesquisas, todos os trabalhos
da ciência contemporânea, concorrem para demonstrar a ação das leis naturais,
que uma Lei suprema liga, abraça, para constituir a universal harmonia. Por
essa lei, uma Inteligência soberana se revela à razão mesma das coisas, Razão
consciente, Unidade universal para onde convergem, ligando-se e fundindo-se,
todas as relações, aonde todos os seres vêm haurir a força, a luz e a vida; Ser
absoluto e perfeito, fundamente imutável e fonte eterna de toda a ciência, de
toda a verdade, de toda a sabedoria, de todo o amor. Algumas objeções são, no entanto, de prever.
Pode-se dizer, por exemplo: as teorias sobre a matéria, sobre a força, sobre a
inteligência, tais as que formulavam outrora as escolas científicas e
filosóficas, tiveram o seu tempo. Novas concepções as substituem. A física
atual nos demonstra que a matéria se dissocia pela análise, se resolve em
centros de forças, e que a força se reabsorve no éter universal. Sim,
certamente, os sistemas envelhecem e passam; as fórmulas gastam-se; mas a idéia
eterna reaparece sob formas cada vez mais novas e mais ricas. Materialismo e
espiritualismo são aspectos transitórios do conhecimento. Nem a Matéria, nem o
Espírito são o que deles pensavam as escolas de outrora, e talvez a matéria, o
pensamento e a vida estejam ligados por laços estreitos, que começamos a
entrever. Certos fatos, no entanto, subsistem e outros problemas se impõem. A
matéria e a força se reabsorvem no éter; mas, que é o éter? É, diz-nos, a
matéria-prima, o substrato definitivo de todos os movimentos. O próprio éter é
atravessado por movimentos inumeráveis: radiações luminosas e caloríficas,
correntes de eletricidade e de magnetismo. Ora, é perfeitamente necessário que
esses movimentos sejam regulados de certa maneira. A força gera o movimento,
mas a força não é a lei. Cega e sem guia, ela não poderia produzir a ordem e a
harmonia no Universo. Estas são, no entanto, manifestas. No cimo da escala das
forças aparece a energia mental, a vontade que constrói as fórmulas e fixa as leis.
A inércia, dir-nos-ão, ainda é relativa, visto que a matéria é energia
concentrada. Na realidade, todas as partes constitutivas de um corpo se movem.
Entretanto, a energia armazenada nesses corpos só pode entrar em potência de
ação quando a matéria componente é dissociada. Não é o caso dos planetas, cujos
elementos representam a matéria em seu último grau de concreção. Seus
movimentos não se podem explicar por uma força interna, mas somente pela
intervenção de uma energia exterior. – “A inércia – diz G. Le Bon – é a resistência de causa desconhecida, que
os corpos opõem ao movimento ou mudança de movimento. Ela é suscetível de
medida que se define pelo termo massa. A massa é, pois, a medida da inércia da
matéria, seu coeficiente de resistência ao movimento.”
Desde Pitágoras até
Claude Bernard, todos os pensadores afirmam que a matéria é desprovida de
espontaneidade. Toda tentativa de emprestar à substancia inerte uma
espontaneidade – capaz de organizar e de explicar a força – tem sido em vão. É
preciso, pois, aceitar a necessidade de um primeiro motor transcendente para
explicar o sistema do mundo. A mecânica celeste não se explica por si mesma, e
a existência de um motor inicial se impõe. A nebulosa primitiva, mãe do Sol e
dos planetas, era animada de um movimento giratório. Mas quem lhe imprimira
esse movimento? Respondemos sem hesitar: Deus. É somente a ciência
contemporânea que nos revela Deus, o Ser Universal? O homem interroga a
história da Terra; evoca a memória das multidões mortas, das gerações que
repousam sob a poeira dos séculos; interroga a fé crédula dos simples e a fé
raciocinada dos sábios; e, por toda parte, acima das opiniões contraditórias e
das polêmicas das escolas, acima das rivalidades de casta, de interesses e de
paixões, ele vê os transportes, as aspirações do pensamento humano para a Causa
que vela, augusta e silenciosa, sob o véu misterioso das coisas. Em todos os
tempos e em todos os meios a queixa humana sobe para esse Espírito divino, para
essa Alma do mundo que se honra sob nomes diversos, mas que, sob tantas
denominações – Providência, grande Arquiteto, Ser supremo, Pai celeste –, é
sempre o Centro, a Lei, a Razão universal, em que o mundo se conhece, se
possui, encontra sua consciência e seu eu. E é assim que, acima desse
incessante fluxo e refluxo de elementos passageiros e mutáveis, acima dessa
variedade, dessa diversidade infinita dos seres e das coisas que constituem o
domínio da Natureza e da Vida, o pensamento encontra no Universo esse princípio
fixo, imutável, essa Unidade consciente em que se unem a essência e a
substância, fonte primeira de todas as consciências e de todas as formas, visto
que consciência e forma, essência e substância, não podem existir uma sem a
outra. Elas se unem para constituir essa Unidade viva, esse Ser absoluto e
necessário, fonte de todos os seres, ao qual chamamos Deus. A linguagem humana
é, entretanto, impotente para exprimir a idéia do Ser infinito. Desde que nos
servimos de nomes e de termos, limitamos o que é sem limites. Todas as
definições são insuficientes e, de certo modo, induzem o erro. Entretanto, o
pensamento para se exprimir precisa de termo. O menos afastado da realidade é
aquele pelo qual os padres do Egito designavam Deus: Eu sou, isto é, eu sou o
Ser por excelência, absoluto, eterno, e do qual emanam todos os seres. Um
mal-entendido secular divide as escolas filosóficas quanto a estas questões. O
materialismo via no Universo somente a substância e a força. Parecia ignorar os
estados quintessenciados, as transformações infinitas da matéria. O
espiritualismo vê em Deus só o princípio espiritual e não considera imaterial
tudo o que não cai sob os nossos sentidos. Ambos se enganam. O mal-entendido
que os separa cessará quando os materialistas virem em seu princípio e os
espiritualistas em seu Deus a fonte dos três elementos: substância, força,
inteligência, cuja união constitui a vida universal. Por isso, basta
compreender duas coisas: se se admite que a substância esteja fora de Deus,
Deus não é infinito, e, pois que a consciência existe no mundo atual, é preciso
evidentemente que ela se encontre naquilo que tem sido o Princípio do mundo.
Mas a Ciência, depois de se haver retardado durante meio século nos desertos do
materialismo e do positivismo, depois de ter reconhecido a esterilidade deles,
a ciência atual modificou a sua orientação. Em todos os domínios: física,
química, biologia, psicologia, ela se encaminha hoje, a passo decidido, para
essa grande unidade que se entrevê no fundo de tudo. Por toda parte ela reconhece
a unidade de forças, a unidade de leis. Atrás de toda substância em movimento
encontra-se a força, e a força não é senão a projeção do pensamento, da vontade
na substância. A eterna criação, a eterna renovação dos seres e das coisas é
tão-somente a projeção constante do pensamento divino no Universo. Pouco a
pouco, o véu se levanta; o homem começa a entrever a evolução grandiosa da vida
na superfície dos mundos. Ele vê a correlação das forças e a adaptação das
formas e dos órgãos em todos os meios; sabe que a vida se desenvolve, se
transforma e se apura à medida que percorre sua espiral imensa; compreende que
tudo está regulado visando a um fim, que é o aperfeiçoamento contínuo do ser e
o crescimento nele da soma do bem e do belo. Mesmo neste mundo, ele pode seguir
essa lei majestosa do progresso, através de todo o lento trabalho da Natureza,
desde as formas ínfimas do ser, desde a célula verde flutuando no seio das
águas, até o homem consciente no qual a unidade da vida se afirma, e acima
dele, de grau em grau, até o infinito. E essa ascensão só se compreende, só se
explica pela existência de um princípio universal, de uma energia incessante,
eterna, que penetra toda a Natureza; é ela quem regula e estimula essa evolução
colossal dos seres e dos mundos para o melhor, para o bem. Deus, tal qual o
concebemos, não é, pois, o Deus do panteísmo oriental, que se confunde com o
Universo, nem o Deus antropomorfo, monarca do céu, exterior ao mundo, de que
nos falam as religiões do Ocidente. Deus é manifestado pelo Universo – do qual
é a representação sensível –, mas não se confunde com este. De igual maneira
que em nós a unidade consciente, a Alma, o eu, persiste no meio das
modificações incessantes da matéria corporal, assim, no meio das transformações
do Universo e da incessante renovação de suas partes, subsiste o Ser que é a
Alma, a consciência, o eu que o anima e lhe comunica o movimento e a vida. E
esse grande Ser, absoluto, eterno, que conhece as nossas necessidades, ouve o
nosso apelo, nossas preces, que é sensível às nossas dores, é qual o imenso
foco em que todos os seres, pela comunhão do pensamento e do sentimento, vêm
haurir forças, o socorro, as inspirações necessárias para guiá-los na senda do
destino, sustê-los em suas lutas, consolá-los em suas misérias, levantá-los em
seus desfalecimentos e em suas quedas. Não procures Deus nos templos de pedra e
de mármore, ó homem que o queres conhecer, e sim no templo eterno da Natureza,
no espetáculo dos mundos a percorrer o Infinito, nos esplendores da vida que se
expande em sua superfície, na vista dos horizontes variados: planícies, vales,
montanhas e mares que a tua morada terrestre te oferece. Por toda parte, à luz
brilhante do dia ou sob o manto constelado das noites, à margem dos oceanos
tumultuosos, e assim na solidão das florestas, se te sabes recolher, ouvirás as
vozes da Natureza e os sutis ensinamentos que murmuram ao ouvido daqueles que
freqüentam suas solidões e estudam seus mistérios. A Terra voga sem ruído na
extensão. Essa massa de dez mil léguas de circuito desliza sobre as ondas do
éter qual um pássaro no Espaço, qual um mosquito na luz. Nada denuncia sua
marcha imponente. Nenhum ranger de rodas, nenhum murmúrio de vagas sob seus
flancos. Silenciosa, ela passa, rola entre suas irmãs do céu. Toda a potente
máquina do Universo se agita; os milhões de sóis e de mundos que a compõem,
mundos perto dos qual o nosso vale por uma criança, todos se deslocam, se
entrecruzam, prosseguem suas evoluções com velocidades aterradoras, sem que som
algum ou qualquer choque venha trair a ação desse gigantesco aparelho. O
Universo continua calmo. É o equilíbrio absoluto; é a majestade de um poder
misterioso, de uma Inteligência que não se impõe, que se esconde no seio das
coisas, e cuja presença se revela ao pensamento e ao coração, e que atrai o
pesquisador qual a vertigem do abismo. Se a Terra evolucionasse com estrondo,
se o mecanismo do mundo se regulasse com fracasso, os homens, aterrorizados,
curvarse-iam e creriam. Mas, não! A obra formidável se executa sem esforço.
Globos e sóis flutuam no Infinito, tão livres quanto plumas sob a brisa.
Avante, sempre avante! O rondar das esferas se efetua guiado por uma potência
invisível. A vontade que dirige o Universo se disfarça a todos os olhares. As
coisas estão dispostas de maneira que ninguém é obrigado a lhes dar crédito. Se
a ordem e a harmonia do Cosmos não bastam para convencer o homem, este é livre
no conjeturar. Nada constrange o céptico para ir a Deus. O mesmo acontece às
coisas morais. Nossas existências se desenrolam e os acontecimentos se sucedem
sem ligação aparente; mas, a imanente justiça domina ao alto e regula nossos
destinos segundo um princípio imutável, pelo qual tudo se encadeia em uma série
de causas e de efeitos. Seu conjunto constitui uma harmonia que o espírito
emancipado de preconceitos, iluminado por um raio da Sabedoria, descobre e
admira. Que nós sabemos do Universo? Nossa vista só percebe um conjunto
restrito do império das coisas. Somente os corpos materiais, à nossa
semelhança, a afetam. A matéria sutil e difusa nos escapa. Vemos o que há de
mais grosseiro, em tudo que nos cerca. Todos os mundos fluídicos, todos os
círculos onde a vida superior se agita, a vida radiosa, se eclipsam aos olhos
humanos. Distinguimos apenas os mundos opacos e pesados que se movem nos céus.
O Espaço que os separa nos parece vazio. Por toda parte, profundos abismos
parecem abrir-se. Erro! O Universo está cheio. Entre essas moradas materiais,
no intervalo desses mundos planetários, prisões ou presídios flutuam no Espaço,
outros domínios da Vida se estendem, vida espiritual, vida gloriosa, que nossos
sentidos espessos não podem perceber porque, sob suas radiações, quebraria qual
se rompe o vidro ao choque de uma pedra. A sábia Natureza limitou nossas
percepções e nossas sensações. É degrau a degrau que ela nos conduz no caminho
do saber. É lentamente, trecho por trecho, vidas depois de vidas, que ela nos
leva ao conhecimento do Universo, seja visível, seja oculto. O ser sobe, um a
um, os degraus da escadaria gigantesca que conduz a Deus. E cada um desses
degraus representa para o ser uma longa série de séculos. Se os mundos celestes
nos aparecessem de repente, sem véus, em toda a sua glória, ficaríamos
aturdidos, cegos. Mas, nossos sentidos exteriores foram medidos e limitados.
Eles avultam e se apuram à medida que o ser se eleva na escala da existência e
dos aperfeiçoamentos. O mesmo se dá com o conhecimento, a possessão das leis
morais. O Universo se desvenda aos nossos olhos à proporção que a nossa
capacidade de compreender as suas leis se desenvolve e engrandece. Lenta é a
incubação das Almas sob a luz divina. É a ti, ó Potência Suprema! Qualquer que
seja o nome que te dêem e por mais imperfeitamente que sejas compreendida; é a
ti, fonte eterna da vida, da beleza, da harmonia, que se elevam nossas
aspirações, nossa confiança, nosso amor. Onde estás, em que céus profundos,
misteriosos, tu te escondes? Quantas Almas acreditaram que bastaria, para te
encontrar, o deixar a Terra! Mas tu te conservas invisível no mundo espiritual,
quanto no mundo terrestre, invisível para aqueles que não adquiriram ainda a
pureza suficiente para refletir teus divinos raios. Tudo revela e manifesta, no
entanto, tua presença. Tudo quanto na Natureza e na Humanidade canta e celebra
o amor, a beleza, a perfeição, tudo que vive e respira é mensagem de Deus. As
forças grandiosas que animam o Universo proclamam a realidade da Inteligência
divina; ao lado delas, a majestade de Deus se manifesta na História, pela ação
das grandes Almas que, semelhantes a vagas imensas, trazem às plagas terrestres
todas as potências da obra de sabedoria e de amor. E Deus está, assim, em cada
um de nós, no templo vivo da consciência. É aquele o lugar sagrado, o santuário
em que se encontra a divina centelha.
Homens! Aprendei a
imergir em vós mesmos, a esquadrinhar os mais íntimos recônditos do vosso ser;
interrogai-vos no silêncio e no retiro. E aprendereis a reconhecer-vos, a
conhecer o poder escondido em vós. É ele que leva e faz resplandecer no fundo
de vossas consciências as santas imagens do bem, da verdade, da justiça, e é
honrando essas imagens divinas, rendendo-lhes um culto diário, que essa
consciência, ainda obscura, se purifica e se ilumina. Pouco a pouco, a luz se
engrandece em nós outros. De igual modo que gradualmente, de maneira
insensível, as sombras dão lugar à luz do dia, assim a Alma se ilumina das
irradiações desse foco que reside nela e faz desabrochar, em nosso pensamento e
em nosso coração, formas sempre novas, sempre inesgotáveis de verdade e de
beleza. E essa luz é também harmonia penetrante, voz que canta na alma do
poeta, do escritor, do profeta, e os inspira e lhes dita as grandes e fortes
obras, nas quais eles trabalham para elevação da Humanidade. Mas, sentem essas
coisas apenas aqueles que, tendo dominado a matéria, se tornaram dignos dessa
comunhão sublime, por esforços seculares, aqueles cujo senso íntimo se abriu às
impressões profundas e conhece o sopro potente que atiça os clarões do gênio,
sopro que passa pelas frontes pensativas e faz estremecer os envoltórios
humanos.
(Do livro "O Grande Enigma", Léon Dennis, FEB)