Do ponto de vista
sociológico, tratava-se de um grupelho. Aparelhados e inexperientes, a sua
importância advinha da presença de Jesus, que os conduzia com sabedoria,
esclarecendo-os quanto aos negócios da Boa Nova. Eles próprios não se davam
conta da grandeza do compromisso a que se haviam vinculado. Nem mesmo haviam
proposto interrogações. Deixaram-se arrastar pelo magnetismo do Nazareno que os
fascinava, e seguiram-no, sem consciência da revolução que se estava delineando
e na qual teriam papel relevante. Quase todos os eram de procedência humilde,
alguns mesmo analfabetos, conhecedores dos textos sagrados mediante a tradição
verbal, ignorando as interpretações teológicas ou o significado místico dos
seus conteúdos. Acreditavam em Deus por atavismo, sem profundamento de
informações, reverenciando-o conforme os hábitos simples que adotaram e
mantinham. Jesus era um desafio constante, que lhes ultrapassava a capacidade
de entendimento. O seu porte físico e a Sua estatura moral não podiam ser
mensurados e sem mais reflexões, isso lhes bastava para amá-lo, segui-lo e
confiar nEle. Muitos dos seus discursos lhes escapavam à compreensão; não
obstante, quando a massa se diluía, o Mestre ministrava-lhes particulares
observações e esclarecimento próprios. Nunca poderiam imaginar que seus nomes e
sacrifícios ficariam imortais nas páginas da História e nos sentimentos
humanos, eles que a nada ou quase nada ambicionavam, além do entendimento das
suas e das necessidades familiares mais imediatas. As revoluções, porém, não são
constituídas por personagens importantes, de destaque no mundo, famosas no
conceito social. Tornaram-se conhecidas depois do holocausto, da expansão
ideológica, de haverem extrapolado a própria dimensão. Os mártires da Doutrina,
que os seguiram, eram também gente humilde, sedentas de paz e esfaimadas de
amor, que se nutriam do pábulo divino da esperança em um mundo melhor, rico em
fraternidade e perdão. Jesus fizera-se como um deles, a fim de melhor os
conduzir, utilizando-se da sua linguagem e diminuindo as suas aflições. Embora
os Seus fossem motivos mais importantes e quase inalcançáveis para eles,
simplificou-os e conseguiu sensibilizá-los de tal forma, que se deixaram de
pertencer para imolarem-se mais tarde pelo ideal. Essa extraordinária saga, a da
construção do reino de Deus no mundo dos homens, é a mais notável conquista do
espírito inteligente em nome da solidariedade e do humanismo. Pode-se imaginar,
embora a grande distância no tempo e a diferença de circunstâncias, o que eram
aquelas gentes modestas e afligidas pelas asperezas existenciais. Os seus
objetivos muito imediatos, resumiam-se nos labores do cotidiano, na resignação
a que eram submetidas pelas imposições sociais arbitrárias, na conquista do
pão, da roupagem e da pequena propriedade em que residiam, sem mais amplas
aspirações...
As doenças eram-lhes
cruéis sicários, ao lado da pobreza, do desprestígio, das lutas entre si...
Jesus apareceu-lhes e abre-lhes um elenco de novas possibilidades,
oferecendo-lhes recursos incomuns, oportunidades antes jamais imaginadas e
causa uma rápida mudança de conduta. Os interesses servis se avolumam e as
paixões se engalfinham em disputas constantes, de modo a beneficiarem-se da Sua
presença, a merecerem as Suas concessões...
A mensagem dele, de
renovação e de libertação interior, passava quase desapercebida, por cuja razão
estavam sempre avolumando o número de párias morais e desajustados sociais,
para que pudessem ser atendidos. Assim, a Sua fama se espalhou por toda a
região de Cafarnaum, na Galiléia. As pessoas famosas perdem o direito à
privacidade, ao repouso, a si mesmas. Os seus atos são vigiados e os seus
pensamentos perscrutados. Devem ser originais e representativas das ambições
dos seus aficionados. Não lhes são facultadas horas de paz, nem desfrutam as
oportunidades de seres normais. Com Jesus assim acontecia, logo a multidão
infeliz, aquela assinalada pelas dores excruciantes, se adensava, aguardando
milagres. A palavra milagre significava-lhes o impossível, como até hoje e isso
atraia a curiosidade. Negavam-se a acreditar no Seu poder de alterar a
estrutura de muitas ocorrências, por conhecê-las integralmente. Desse modo,
quando Ele chegou a Cafarnaum, após haver discursado na sinagoga, os amigos
pediram-lhe que atendesse à sogra de Pedro que ardia em febre. Magnânimo e
superior às questiúnculas da saúde física, compreendia, no entanto, o que a
mesma lhe significava, Ele cuidava da saúde real, aquela que responde pela
externa, mas as pessoas se preocupavam de maneira equívoca. Assim, desejando
fazer-se respeitado, Ele inclinou-se sobre ela, ordenou à febre e essa
deixou-a. Erguendo-se, imediatamente começou a servi-los. Ao pôr do Sol, todos
quantos tinham doentes, com diversas enfermidades, levaram-lhos, e Ele, impondo
as mãos a cada um deles curava-os. Também de muitos saíam Espíritos, que
gritavam e diziam: Tu és o Filho de Deus! Mas Ele repreendia-os e não os
deixava falar, porque sabiam que Ele era o Messias, e a hora da revelação ainda
não chegara. Cada questão em seu momento próprio, e era necessário preparar o
campo, fertilizá-lo, a fim de que as sementes de luz pudessem germinar e o Novo
Dia se instalasse nos corações. Terminada a tarefa junto dos aflitos pelos
próprios erros, aos amarrados a tresvarios obsessivos por consciência culpada,
aos desesperados por haverem perdido a direção de sim mesmos, o Mestre
retirou-se, para sintonizar com Deus, a Inexaurível Fonte de Vida. Procurando
insistentemente pelas sucessivas ondas de necessitados que chegavam,
intérminas, Ele explicou: - Tenho também que anunciar a Boa Nova do reino de
Deus às outras cidades, pois para que isso fui enviado. ... E saiu a pregar nos
campos, nas aldeias, nas sinagogas, nas praças, nas praias, em toda a parte
onde se fizesse necessário. A primavera espiritual que Ele iniciava jamais se
transformaria em outono de desesperança ou de inverno de sofrimento
insuportável, porque Ele permanecia para sempre como o incomparável dispensador
de bênçãos, renovando as paisagens do mundo moral da criatura humana de todos
os tempos futuros.
(Do livro "Até o Fim dos Tempos", Amélia Rodrigues, psicografia de Divaldo P. Franco, LEAL)
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