terça-feira, 9 de junho de 2015

O DISPENSADOR DE BENÇÃOS



Do ponto de vista sociológico, tratava-se de um grupelho. Aparelhados e inexperientes, a sua importância advinha da presença de Jesus, que os conduzia com sabedoria, esclarecendo-os quanto aos negócios da Boa Nova. Eles próprios não se davam conta da grandeza do compromisso a que se haviam vinculado. Nem mesmo haviam proposto interrogações. Deixaram-se arrastar pelo magnetismo do Nazareno que os fascinava, e seguiram-no, sem consciência da revolução que se estava delineando e na qual teriam papel relevante. Quase todos os eram de procedência humilde, alguns mesmo analfabetos, conhecedores dos textos sagrados mediante a tradição verbal, ignorando as interpretações teológicas ou o significado místico dos seus conteúdos. Acreditavam em Deus por atavismo, sem profundamento de informações, reverenciando-o conforme os hábitos simples que adotaram e mantinham. Jesus era um desafio constante, que lhes ultrapassava a capacidade de entendimento. O seu porte físico e a Sua estatura moral não podiam ser mensurados e sem mais reflexões, isso lhes bastava para amá-lo, segui-lo e confiar nEle. Muitos dos seus discursos lhes escapavam à compreensão; não obstante, quando a massa se diluía, o Mestre ministrava-lhes particulares observações e esclarecimento próprios. Nunca poderiam imaginar que seus nomes e sacrifícios ficariam imortais nas páginas da História e nos sentimentos humanos, eles que a nada ou quase nada ambicionavam, além do entendimento das suas e das necessidades familiares mais imediatas. As revoluções, porém, não são constituídas por personagens importantes, de destaque no mundo, famosas no conceito social. Tornaram-se conhecidas depois do holocausto, da expansão ideológica, de haverem extrapolado a própria dimensão. Os mártires da Doutrina, que os seguiram, eram também gente humilde, sedentas de paz e esfaimadas de amor, que se nutriam do pábulo divino da esperança em um mundo melhor, rico em fraternidade e perdão. Jesus fizera-se como um deles, a fim de melhor os conduzir, utilizando-se da sua linguagem e diminuindo as suas aflições. Embora os Seus fossem motivos mais importantes e quase inalcançáveis para eles, simplificou-os e conseguiu sensibilizá-los de tal forma, que se deixaram de pertencer para imolarem-se mais tarde pelo ideal. Essa extraordinária saga, a da construção do reino de Deus no mundo dos homens, é a mais notável conquista do espírito inteligente em nome da solidariedade e do humanismo. Pode-se imaginar, embora a grande distância no tempo e a diferença de circunstâncias, o que eram aquelas gentes modestas e afligidas pelas asperezas existenciais. Os seus objetivos muito imediatos, resumiam-se nos labores do cotidiano, na resignação a que eram submetidas pelas imposições sociais arbitrárias, na conquista do pão, da roupagem e da pequena propriedade em que residiam, sem mais amplas aspirações...
As doenças eram-lhes cruéis sicários, ao lado da pobreza, do desprestígio, das lutas entre si... Jesus apareceu-lhes e abre-lhes um elenco de novas possibilidades, oferecendo-lhes recursos incomuns, oportunidades antes jamais imaginadas e causa uma rápida mudança de conduta. Os interesses servis se avolumam e as paixões se engalfinham em disputas constantes, de modo a beneficiarem-se da Sua presença, a merecerem as Suas concessões...

A mensagem dele, de renovação e de libertação interior, passava quase desapercebida, por cuja razão estavam sempre avolumando o número de párias morais e desajustados sociais, para que pudessem ser atendidos. Assim, a Sua fama se espalhou por toda a região de Cafarnaum, na Galiléia. As pessoas famosas perdem o direito à privacidade, ao repouso, a si mesmas. Os seus atos são vigiados e os seus pensamentos perscrutados. Devem ser originais e representativas das ambições dos seus aficionados. Não lhes são facultadas horas de paz, nem desfrutam as oportunidades de seres normais. Com Jesus assim acontecia, logo a multidão infeliz, aquela assinalada pelas dores excruciantes, se adensava, aguardando milagres. A palavra milagre significava-lhes o impossível, como até hoje e isso atraia a curiosidade. Negavam-se a acreditar no Seu poder de alterar a estrutura de muitas ocorrências, por conhecê-las integralmente. Desse modo, quando Ele chegou a Cafarnaum, após haver discursado na sinagoga, os amigos pediram-lhe que atendesse à sogra de Pedro que ardia em febre. Magnânimo e superior às questiúnculas da saúde física, compreendia, no entanto, o que a mesma lhe significava, Ele cuidava da saúde real, aquela que responde pela externa, mas as pessoas se preocupavam de maneira equívoca. Assim, desejando fazer-se respeitado, Ele inclinou-se sobre ela, ordenou à febre e essa deixou-a. Erguendo-se, imediatamente começou a servi-los. Ao pôr do Sol, todos quantos tinham doentes, com diversas enfermidades, levaram-lhos, e Ele, impondo as mãos a cada um deles curava-os. Também de muitos saíam Espíritos, que gritavam e diziam: Tu és o Filho de Deus! Mas Ele repreendia-os e não os deixava falar, porque sabiam que Ele era o Messias, e a hora da revelação ainda não chegara. Cada questão em seu momento próprio, e era necessário preparar o campo, fertilizá-lo, a fim de que as sementes de luz pudessem germinar e o Novo Dia se instalasse nos corações. Terminada a tarefa junto dos aflitos pelos próprios erros, aos amarrados a tresvarios obsessivos por consciência culpada, aos desesperados por haverem perdido a direção de sim mesmos, o Mestre retirou-se, para sintonizar com Deus, a Inexaurível Fonte de Vida. Procurando insistentemente pelas sucessivas ondas de necessitados que chegavam, intérminas, Ele explicou: - Tenho também que anunciar a Boa Nova do reino de Deus às outras cidades, pois para que isso fui enviado. ... E saiu a pregar nos campos, nas aldeias, nas sinagogas, nas praças, nas praias, em toda a parte onde se fizesse necessário. A primavera espiritual que Ele iniciava jamais se transformaria em outono de desesperança ou de inverno de sofrimento insuportável, porque Ele permanecia para sempre como o incomparável dispensador de bênçãos, renovando as paisagens do mundo moral da criatura humana de todos os tempos futuros.

(Do livro "Até o Fim dos Tempos", Amélia Rodrigues, psicografia de Divaldo P. Franco, LEAL)

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