Nossa Livraria

A FUNÇÃO DA LIVRARIA NA CASA ESPÍRITA


“O livro nobre livra da ignorância, mas o livro espírita livra da ignorância e livra do mal. [...]”
(Do livro Mentores e seareiros. psicografia de Francisco C. Xavier, pelo Espírito Emmanuel)



É raro, hoje, encontrar Casa Espírita que não possua em suas dependências uma livraria. Mesmo as casas de menor tamanho têm, em sua maioria, ao menos um espaço dedicado ao livro. Consideramos extremamente positivo tal cenário pois, como todos sabemos, o caráter da revelação espírita é primordialmente literário, tendo sido a própria Codificação um conjunto de livros, secundado, é claro, por obras subsidiárias do próprio Kardec e pela Revista Espírita. Não diminuímos, com isso, em nenhum aspecto os outros meios de divulgação doutrinária, como as palestras, e muito menos perdemos de vista o caráter fundamental da vivência dos postulados codificados por Kardec.

Apenas reforçamos que é ele, o livro, o maior meio de difusão da mensagem trazida pelo Espírito de Verdade através de Kardec. Existem diversos fatores que alavancam a presença das livrarias espíritas dentro dos centros: o interesse do público em geral pela literatura espírita, especialmente neste momento onde vemos o lançamento de filmes e novelas com temática espírita ou espiritualista; o auxílio que as verbas obtidas com a venda dos livros oferece ao sustento da Casa; legislação específica que isenta de tributos a venda de livros religiosos, dentro dos templos, de impostos (Art. 150 da Constituição Federal, entre outras leis); e, claro, o desejo de divulgação das ideias espíritas e de consolação aos que sofrem.

Qual, no entanto, a função primordial da livraria na Casa Espírita?

Esta pergunta pode ser respondida sob diversas óticas. Há aqueles que acreditam que a livraria tem, como motivo fundamental de existir, ser fonte de lucro e consequentemente auxiliar na manutenção da Casa. Há os que vêem na livraria um ambiente de convivência, oferecendo, no mesmo espaço, alimentação e cadeiras para que se possa aguardar o início de algum trabalho enquanto há socialização fraterna. Há, finalmente, aqueles que veem a livraria

na Casa Espírita como sendo, fundamentalmente, um agente de divulgação doutrinária, um ponto de oferta para uma demanda clara por informação espírita, que é a demanda do público que busca a Casa Espírita, seja o freqüentador habitual, seja aquele que chega pela primeira vez. E nós, humildemente, nos colocamos entre estes últimos.

O Espiritismo, conforme codificado por Kardec, possui hoje pouquíssimos espaços de divulgação em sua pureza, sem enxertos, visões pessoais ou distorções. Temos filmes de cunho espiritualista que misturam Doutrina Espírita com conceitos de outras religiões ou mesmo com ficção pura e simples; temos novelas de televisão que são anunciadas como de cunho espírita, mas contêm elementos contrários à Doutrina; temos revistas que trazem o termo “espírita” no nome, mas tratam de assuntos e conceitos alheios aos que Kardec codificou; e temos, enfim, livros que se dizem espíritas e que deturpam, ou mesmo atacam, as bases dos ensinamentos que os Espíritos nos transmitiram através de Kardec. Porém, nenhum destes tem compromisso com a Doutrina, não cabendo a eles fidelidade ao Espiritismo.

O compromisso do produtor cinematográfico e da emissora de TV é com a audiência ou a venda de ingressos; o compromisso do editor de revista que não zela pelo conteúdo doutrinário é a tiragem e a venda; o compromisso do autor que não se atém à Doutrina é com o lucro pessoal ou, em certos casos, com a divulgação de ideias outras que não as espíritas. Mas o compromisso da Casa Espírita é com a Doutrina, e apenas com a Doutrina.

É por isso que, em nossa opinião, a função primordial, senão única, da livraria na Casa Espírita é a divulgação da Doutrina Espírita, em sua pureza, com preocupação absoluta com a qualidade e fidelidade doutrinária dos livros. Qualquer outro benefício trazido pela livraria, como auxílio na manutenção da Casa, é colateral e consequente, e não objetivo primário. Nossa opinião se baseia em diversos fatores, quais sejam:



• Para o neófito, a livraria da Casa Espírita é uma representante da Doutrina Espírita. Ele crê, sinceramente, que aquilo que lá é oferecido é Espiritismo. Se passamos a vender livros não-espíritas, ainda que edificantes e espiritualistas, estaremos induzindo este neófito ao erro, pois ele acreditará que a Doutrina acolhe e concorda com a visão doutrinária exposta nesses livros, o que não é verdade;



• O Espiritismo possui pouquíssimos focos de divulgação. Os centros, juntamente com as federativas, respondem talvez por 99% desses espaços, haja vista que mesmo emissoras de rádio e TV espíritas comercializam determinadas faixas de horário para programas não-espíritas.Utilizar o espaço da livraria do Centro Espírita para comercializar qualquer material não--espírita (que pode ser amplamente encontrado nas livrarias comerciais) é diminuir ainda mais este espaço, desviando a atenção do público das obras que constróem a moral espírita para outras que, ou nada constróem, ou mesmo atacam esta moral.

Em Conduta Espírita,André Luiz nos lembra, no capítulo intitulado “Na Imprensa”, que devemos:

Selecionar atentamente os originais recebidos para publicação, em prosa e verso, de autores encarnados ou de origem mediúnica, segundo a correção que apresentarem quanto à essência doutrinária e à nobreza da linguagem.


Acrescenta ainda: “Sem o culto da pureza possível, não chegaremos à perfeição”. Se André Luiz demonstra tal preocupação com a seleção do que publicar, como despreocupar-nos com o que é oferecido na livraria que se localiza no interior da Casa Espírita? Pode-se questionar, então, como definir o que é ou não-espírita, de forma a decidir o que oferecer na livraria. Esta resposta é mais clara do que parece, embora vejamos irmãos que, por visões pessoais muito particulares e influências de outras crenças, tentem tornar complexo o que é simples: livros espíritas são aqueles cujo conteúdo está completamente alinhado à Codificação, sem excessos nem deficiências. Além disso, são livros que, se falam em conceitos de outras religiões, o fazem sempre a partir de um ponto de vista espírita, dedicando a essas religiões o respeito que merecem, mas sem jamais tergiversar com as bases doutrinárias do Pentateuco de Kardec. São ainda livros cujo lucro jamais se destina ao autor, sendo, ao contrário, direcionado a órgão espírita de divulgação, a federativas espíritas, casas espíritas ou obras de caridade, estas últimas de qualquer natureza, espíritas ou não.

 Dessa maneira, não são espíritas, de acordo com nosso ponto de vista, livros que se utilizam ostensivamente de nomenclaturas de outras religiões para se referir a Espíritos, utilizando-se de um imaginário não pertencente à Doutrina. Também não são espíritas livros que descrevam como necessários rituais, paramentos, objetos de culto, oferendas e afins para qualquer objetivo. E não são espíritas livros cujo autor lucre com eles – em alguns casos vivendo apenas deste lucro. E, como tal, por nobre que seja seu conteúdo e por mais positiva seja a intenção de seu autor, não devem ser oferecidos na livraria espírita, pelos motivos anteriormente descritos.

Cabe a nós, espíritas, trabalhar para que no futuro o Espiritismo esteja, ainda, límpido como foi trazido pelos Espíritos. Lembremos que Jesus disse que não vinha destruir a lei, mas cumpri-la – pois os Dez Mandamentos haviam sido deturpados desde Moisés.

 Novamente, com a vinda da Terceira Revelação, buscava Ele reparar as distorções, como nos diz O Evangelho segundo o Espiritismo: Jesus promete outro consolador: o Espírito de Verdade, que o mundo ainda não conhece, por não estar maduro para o compreender, consolador que o Pai enviará para ensinar todas as coisas e para relembrar o que o Cristo há dito. Se, portanto, o Espírito de Verdade tinha de vir mais tarde ensinar todas as coisas, é que o Cristo não dissera tudo; se ele vem relembrar o que o Cristo disse, é que o que este disse foi esquecido ou mal compreendido.

 Não deixemos, portanto, que o Espiritismo seja, também ele, mistificado ou enxertado, nem que seus ensinamentos sejam envolvidos por meias verdades. O Espiritismo não precisa de nós, mas nós precisamos dele, imperfeitos que somos, e também dele precisarão aqueles que nos sucederão. Não sejamos nós os que causarão mais uma vez a deturpação da verdade divina, repetindo os erros do passado quando, em outra roupagem carnal, vimos a mensagem do Cristo ser tingida pelas tintas humanas apenas para satisfazer nossos caprichos pessoais.

Não é a Doutrina que deve se transformar para se adaptar a nós, mas nós é que necessitamos urgentemente nos transformar pelo estudo e compreensão deste facho de luz chamado Doutrina Espírita.



(Artigo publicado na revista “Reformador” de Dezembro 2010)